Planejamento versus realidade: em que pé estamos?

Texto por Colaborador: Redação 07/06/2021 - 02:38

Em 1999 a NASA perdeu a Mars Climate Orbiter após anos de planejamento. Lançada em dezembro de 98 e levando 286 dias para chegar em Marte, sua principal função era recolher dados atmosféricos de cada estação do ano do planeta e entender suas modificações climáticas. A sonda simplesmente acabou destruída na atmosfera do planeta vermelho devido a um erro de navegação, de cálculo mesmo, gerando um prejuízo US$ 125 milhões. O erro deveu-se a equipe da terra, que fez o uso de medidas inglesas para calcular os parâmetros para a manobra inserção orbital, enviando-os à nave, cujos sistemas, contudo, apenas realizavam cálculos no sistema métrico.

Dei esse exemplo bobo para fazer uma analogia a essa palavra tão utilizada. Todo planejamento trata-se de uma receita, uma possível fórmula, supostamente essencial quando tratamos de projetar ações de maneira coordenada. Mesmo assim, não há garantia alguma do resultado final para nada, sendo justamente nesse intervalo entra "ideia e ação" que começam os problemas não previsíveis ou imaginados. Sinal de que o planejamento estava errado ou apenas precisamos ajustá-lo?

O Inter pensou (ou planejou) muito bem sua reestruturação. Conceitualmente tem atacado às questões financeiras desajustadas de maneira firme e visado uma categoria de base moderna, enquanto Miguel Angel Ramirez dispunha de boas ideias para o time principal. Não culpo a atual direção por tentar, pois pensaram corretamente, tanto é que o espanhol desembarcou após forte interesse de Palmeiras e São Paulo, além de grande apoio da torcida.

Todavia, após mais de 3 meses passa a ser perceptível os atritos quase que inconciliáveis entre teoria e prática. Inicialmente, salta aos olhos a falta de experiência de MAR no contexto brasileiro, quando seu planejamento e a falta de soluções inteligentes complicam ainda mais uma equipe que está longe de ser um primor técnico.

Não vejo problemas em se buscar uma forma de jogar e trabalhar visando a construção de qualquer concepção, mas, começo a duvidar se temos capacidade para o salto desejado.

Há muito tempo tem me incomodado certo tipo de comentaristas esportivos que resumem o futebol ao estilo desejado. Para alguns deles só existe uma forma de futebol, todo o resto se resume a um bando de incapazes. A Itália de 1982 ou 2006, a França de 2018, todos esses estilos tratam-se de “modelos antiquados” de jogo, quase como uma metafísica do esporte: jogue bonito e tente ser “ofensivo” ou sua estratégia nem deveria existir, esvaziando o debate e todas suas enriquecedoras formas de se pensar.

Essa pobreza de narrativa – e porque não de compreensão – das possibilidades do esporte bretão por vezes mais atrapalham ao tentarem encaixar todos modelos possíveis a uma única fórmula, independente das qualidades e realidades particulares. O Inter desde 2017 optou pela forma reativa porque pragmaticamente não tinha condições de alcançar uma mínima competitividade jogando de outra forma. Odair entendeu muito bem a capacidade de seu elenco para levá-lo a patamares acima da média de seus plantéis. Abel, de maneira parecida (e já com um grupo mais capacitado) utilizou do mesmo estratagema para potencializar a equipe de 2020 para um quase título nacional. Mas, faltaram coisas: qualidade? Provavelmente (um Taison a mais, um Alisson no gol, e 2 a 5 pontos teriam sido suficientes, mesmo naquele modelo "antiquado" para alguns). Repertório ofensivo? Também. Não há esquema perfeito que garanta 20 finalizações a favor e 0 contra, trata-se apenas de que risco se deseja correr e em troco de quê.

Nessa conjuntura, pensaram os atuais dirigentes, se contratar jogadores de alto nível exigirá de 2 a 3 anos de reestruturação financeira, talvez mudar de estratégia - visando justamente esse ganho de repertório em um elenco que detinha algumas valências, sobretudo defensivas – seja um avanço. Contudo, teria sido o passo maior que a perna?

Ao tentarmos sair do 8 (reativo) para o 80 (propositivo posicional) talvez tenhamos criado justamente a grande dificuldade no presente momento. Tamanha lonjura entre os extremos não seriam problemáticas por si só, mas, exigem capacidades de funções e jogadores que se encaixem instantaneamente. Ademais, quanto mais perto do 80 (este representando o futebol extremamente ofensivo e de risco) se almeja, maior será a exigência a nível técnico, levando sempre em conta de que destruir (é e sempre será) uma verdade difícil de ser contestada no futebol, por isso, é o método inicial escolhido pela maioria das equipes com limitações.

Ao optarmos pelo jogo de posição, sem jogadores prontos e com nível para tal - justo em um ano com praticamente nenhum tempo de treinamento - tendo um novato nessa realidade, provavelmente cometemos um equívoco, pelo menos são estes os primeiros indícios.

Nesse contexto, a prática parece indicar que o projeto precisa ser continuado mas se adequado ao observado até aqui: em vez de treinadores que joguem somente na reação ou na construção, porquê não pensar em um estilo mais intermediário, que não seja idealizado demais a ponto de quebrar a competitividade e o pragmatismo do jogo?

Como defendia o filósofo Richard Rorty, muito mais do que frases de efeito ou afirmativas de verdades, é a construção de boas razões que tornam nossas crenças mais consistente. Não defendo fórmula mágica, bordões, nem nada do tipo, dando a entender que sei qual passo dará efetivamente certo, mas fundamentos para tentarmos compreender as falhas até aqui.

A realidade é mais complexa do que gostaríamos e estamos aprendendo na prática que boas ideias nem sempre funcionam sem uma boa leitura dos motivos que a levaram a não funcionar como desejaríamos. Uma correção de rumo parece ser necessária sem necessariamente se desfazermos de tudo que foi feito.

Se nada de muito radical for estabelecido – em nível de elenco, de troca de ideias com a nova comissão técnica junto aos jogadores  – quiçá seja necessário repensar o próximo passo no clube. Embora descrente, talvez ainda seja possível salvar Miguel Ramirez e sua barca, mas, com tamanha assimetria vista nas últimas semanas, o esboçado parece indicar a necessidade de darmos um passo para trás antes de tentarmos dois para frente...

Por Alan Rother

 

 

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