O Internacional escreveu nesta segunda-feira mais um capítulo de amadorismo dentre os vários que compõe o livro de sua história recente. Terminou hoje um processo surreal e inconcebível de fritura de um dos melhores e mais promissores treinadores que habitaram a casamata vermelha neste século, culminando em sua saída. Um comandante que com um profissionalismo atípico para os padrões brasileiros nos devolveu um jeito próprio e competitivo de jogar, em uma combinação de certo padrão de qualidade e resultados, há muito tempo não vista. O dia de hoje ainda será muito lembrado por todos nós colorados em um futuro breve.
Em condições normais, qualquer clube que estivesse em nossa posição estaria projetando a reta final das competições. Juntos, unidos, focados em fazer o melhor e trazer ao menos uma taça para o armário. O Inter, inexplicavelmente, está trocando de treinador. Esse é o tamanho da insanidade do que está acontecendo no Beira-Rio e que sugere o caos nos bastidores, tumultuado por conchavos políticos, vaidades e disputas por poder. Não deve ser nada fácil mesmo você extrair o máximo de um elenco medíocre, colocá-lo nas cabeças, e ainda assim não ser reconhecido e respaldado.
Eduardo Coudet nos trouxe uma esperança que de há muito não nos habitava. Nos devolveu o velho colorado guerreiro e competitivo. Ninguém no início do ano apostava que o Inter poderia ser, hoje, o que é. Nem o mais otimista dos colorados acreditaria que aquele elenco melancólico do ano passado, somado a algumas poucas peças trazidas por negócios de ocasião, pudesse estar disputando três competições em alto nível, chegando na primeira colocação do campeonato brasileiro pós-primeiro turno. Não se trata de uma coincidência. A expectativa criada em nós colorados – resultante do trabalho gigantesco de Chacho – é inversamente proporcional ao que o elenco insuficiente pode(ria) entregar. O que já demonstra todo o seu mérito.
Elogiado Brasil afora, reconhecido por todo o futebol sul-americano, reverenciado por todo o grupo de jogadores, somente alguns colorados delirantes ou mal informados, parte nada insuspeita da mídia e alguns outros figurantes com problemas de honestidade intelectual eram saudosistas da ideia do Argentino deixar a Padre Cacique. É estarrecedor como o modo “Guerrinha” de ver e avaliar futebol – com a profundidade de um prato –ainda é influente no rincão.
Alguns críticos comentam acerca da teimosia de Coudet, em insistir em alguns jogadores. Os famigerados “bruxos”. O “fator Musto” pareceu ser mais importante do que o “fator ganhar o turno” na competição que há 41 anos o Inter não leva. Ocorre que o pensamento médio do torcedor é extremamente curto. Parece que a roda foi inventada em 2020. Esquecem alguns que desde que o futebol é futebol, treinador sempre têm suas predileções, teimosias e vaidades. O alegado “bruxismo” não começa, nem termina, com Coudet. Foi assim com Odair. Foi assim com Tite. Foi assim com Abel. Será assim com o próximo treinador, com o subsequente e com o treinador que estiver a frente do Inter daqui 50 anos, simplesmente porque um time de futebol (ainda) não é mandatado e escalado por plebiscito popular. O modo de enxergas as funções individuais, as variações táticas e a importância das “engrenagens” não é homogêneo e, para o bem ou para o mal, em regra, há o seguimento a uma ideia, que, muitas vezes, pode bater de frente com o pensamento popular. E, em alguns casos, é bom que assim seja. Ou talvez aquele gol do Gabiru jamais tivesse acontecido...
Alguns outros citam perda de pontos inadmissíveis para times muito inferiores, o que impossibilitaria de nos distanciamos da parte de cima da tabela. Sim, de fato, aconteceu. Ocorre que o Internacional não é uma ilha. Nessa temporada atípica, de calendário desumano e orçamentos comprimidos, todos os times brasileiros estão oscilando e colecionando sua série particular de fiascos. Desde os times mais enxutos, como o nosso, até os mais tarimbados. O elenco multimilionário e incontestável do Flamengo perdeu para times como Atlético Goianiense e Ceará. E tomou goleadas a torto e direito. O elenco multimilionário do Atlético-MG caiu na Copa do Brasil, perdeu no Brasileiro para Botafogo, Fortaleza, Bahia. O badalado Palmeiras, campeão de empates, perdeu para times como Curitiba e Botafogo. O São Paulo, cotado por muitos como um sério candidato a título, caiu não só na Copa do Brasil, mas também na Sul-Americana, além de perder para times como Vasco e Bragantino no Nacional.
Toda análise futebolística particular que se pretende séria não pode estar dissociada do contexto futebolístico maior. Afinal eu só posso dizer que algo é bom se tenho um referencial para embasar meu juízo. E o contexto maior é que, dentre erros e acertos de todos os clubes – todos – nós estamos na 1ª colocação do Campeonato Nacional, nas quartas da Copa do Brasil e nas oitavas da Libertadores, mesmo com um plantel extremamente inferior aos concorrentes diretos, e com a perda de três peças essenciais ao time.
Independentemente de quem vier, qualquer colorado consciente – que não viva numa bolha, não seja mal-intencionado ou esteja extremamente mal informado – sabe que a temporada do Internacional acabou hoje. Mais que isso, se esvai qualquer expectativa de uma continuidade e de um projeto vencedor a médio prazo. Todos nós perdemos hoje; pela quebra do projeto; pela quebra de uma expectativa; pela demonstração de que a seriedade ainda não é uma virtude cultivada na Padre Cacique; pela desmotivação natural pós essa ressaca; pela perda, enfim, de um cara com uma ideia de futebol autentica e singular para os nossos padrões que, com a devida continuidade e com o elenco certo, tinha as condições para colocar o Inter em outro patamar.
Se um título nesse ano com Coudet já era difícil – e isso pela deficiência técnica e cognitiva absurda de nosso elenco, por regra –, sem Chacho, a missão não só se torna inviável, como há todas as chances de ser um final de temporada decadente. A expectativa era para 2021, já com uma sequência de trabalho e com a projetada chegada de alguns reforços, o que nos colocaria em totais condições de competir sem a necessidade de um esforço e uma concentração descomunal a cada partida. Enfim, o futebol é dinâmico; e o Inter, previsível. Não é de espantar que estamos há 10 anos sem ganhar nada relevante. E contando.
Futebol, por regra, não é feito por aleatoriedades. Não se faz um time vencedor e cancheiro do dia para a noite. Títulos e conquistas não vem ao acaso. Exige certo comprometimento e convicção em torno de uma ideia, certa mobilização, resiliência e rigidez. A esmagadora maioria dos cases recentes de times vencedores foram assim. Na América e na Europa.
Espero que esse chá de realismo esteja completamente equivocado. E espero também que todo amadorismo e todo o egoísmo sejam, na hora própria, apurados e castigados. O Internacional sangra, mais uma vez.
Saudações coloradas!
Por: Leonardo Donato.