Estamos começando uma semana importantíssima para o direito e para a gestão do esporte. O Congresso irá escolher o relator da MP 984, que, pelo que já se viu e se comenta, pode ir muito além dos direitos de transmissão. O risco de criarmos um Frankestein jurídico não é ficção.
Vamos esquecer aqui se a MP preenche os requisitos necessários estabelecidos pela Constituição, e também se ela abraça o princípio da impessoalidade, igualmente protegido pela nossa Carta Magna. O cenário é o de que ela irá avançar no Congresso. E muito.
O esporte terceirizou uma discussão que é dele, entregando decisões fundamentais aos políticos. E eles já demonstraram o interesse que têm pela matéria, se metendo até onde não podem. Um perigo.
NOVENTA E UMA emendas foram apresentadas à MP. Depois de definido o relator, esse analisa as emendas e apresenta o relatório.
Entre as emendas apresentadas, a do Senador Roberto Rocha retira os artigos que permite aos clubes o patrocínio de empresas de comunicação e o que dá ao mandante o direito exclusivo de negociar a transmissão de seus jogos. Ele entende que só a permissão de contrato de trabalho de atleta por um período de um mês justifica a urgência estabelecida pela Constituição Federal para edição de MPs.
Roberto Rocha é um dos congressistas que deve entender da legislação esportiva, uma vez que é o relator do PL 68/17 que está há 3 anos para ser votado no Congresso.
Inclusive o deputado federal Marcelo Ramos (PL/AM) apresentou o texto do PL 68 - elaborado por juristas, depois de um debate com movimento esportivo que durou quase dois anos - como alternativa à MP. O texto, apesar de - opinião minha - precisar tornar mais clara a redação do artigo, também dá ao mandante os direitos exclusivos de transmissão ou cessão de evento esportivo.
Entre as emendas apresentadas, também aparece a do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ). Ela cria por Lei a obrigação dos clubes se organizarem em ligas. A meu ver, a nova lei já nasceria inconstitucional.
Ela contraria a Constituição Federal em dois artigos. O art 5º, inciso XVII, que garante liberdade de associação "para fins lícitos"; e também o art 217, que trata da autonomia esportiva quanto à organização e funcionamento.
Como escreveu o advogado e colunista do Lei em Campo Maurício Corrêa da Veiga "foi com a Constituição Federal de 1988 que se reafirmou a autonomia das entidades desportivas, quando restou consagrado este princípio. Desta forma, é dever do Estado o fomento das práticas desportivas, porém deverá ser observada a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento."
Claro que a formação de uma liga, ou de blocos, seria o melhor caminho para o futebol brasileiro. Ela cacifa clubes, equilibra distribuição de dinheiro e mantém o indispensável equilíbrio esportivo.
Mas a discussão tem que ser feita dentro do movimento esportivo, e não terceirizada.
Como se viu, muito será discutido no Congresso.
E essa discussão pode durar menos de 40 dias, em função do rito especial.
Ou seja, podemos ter uma mudança radical no direito e no negócio do esporte em pouco mais de um mês. A MP pode se transformar em uma nova Lei Geral do Esporte, feita de remendos, negociações pontuais (típicas em casos urgentes) e sem o cuidado jurídico necessário.
Esqueça se você é a favor ou contra o clube mandante ter os direitos sobe o jogo. Essa é uma outra discussão. A questão é sobre o procedimento correto, participação coletiva e risco jurídico.
A MP traz riscos jurídicos. E uma grande insegurança jurídica.
Como sempre no Brasil.
Claro que o momento é excepcional, o que exige de todos novos caminhos e soluções. E toda discussão e iniciativa para enfrentar esses dias são importantes.
Mas a crise não pode jamais ser pretexto para alimentar a velha cultura de se legislar às pressas, protegendo interesses individuais e não chamando todas as partes envolvidas para um diálogo necessário. E entendendo todo o ordenamento legislativo da área.
MP sem urgência. Falta de diálogo.
Mas para não dizer que ela só trouxe problemas, é preciso destacar que ela também provocou uma discussão e um interesse nunca antes visto por questões legislativas na área esportiva.
Isso é fundamental.
Mas além de discutir, é preciso participar.
Depois de terceirizar essa discussão, é torcer para que o movimento esportivo (entidades, clubes, atletas, torcedores, árbitros...) seja ouvido pelos nossos congressistas.
Será? Acho que não.
Já escrevi, e vou repetir (com o devido crédito a John Steinbeck): estamos vivendo o inverno de nossa desesperança. E o vírus não é o único culpado.
Fonte: UOL/Lei em Campo22/11
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