O Inter encerrou nesta segunda-feira (9) de maneira surpreendente e decepcionante um projeto que tinha tudo para dar certo ou, pelo menos, impor no clube um paradigma interessante que ia ao encontro de sua própria história – de equipes agressivas, técnicas e fortes fisicamente, mas que sempre tendem ao ataque, realmente ofensivas – dando por encerrada uma era que perdurava desde 2015 em diante.
Infelizmente, porém, todo esse plano virou passado quando evidentes problemas de relacionamento, egos inflados, questões políticas e pouca compreensão convergiram para uma ruptura, com o técnico argentino preferindo assumir um clube de baixíssima expressão na Espanha, relegando o Internacional a um nível inqualificável, mas, pior ainda, deixando todo um trabalho de 11 meses sem rumo justamente no mês mais duro e definitivo em que jogadores, direção e torcida tanto ansiavam.
Minha ideia aqui é passar longe de visões dualistas em que se mira exclusivamente a direção pela sua saída ou ao ex-treinador como grandes “vilões” de toda história, um costume que me incomoda profundamente e geralmente oculta acontecimentos recíprocos em relações que se desgastam. Diferente das redes sociais, que vislumbram o mundo em sua grande maioria desta maneira histérica e irritante, almejo justificar contextos, criando narrativas para oferecer uma conclusão que se possa buscar o essencial: entender o que se passou mas já olhando para o horizonte precisando de ações imediatas para não deixarmos nosso clube ‘a ver navios’, que é o que realmente me preocupa. Vamos lá?
É costume e quase chavão criticar as direções dos clubes brasileiros por demitirem seus treinadores. Em 99% dos casos as amadoras gestões dos principais clubes do país demitem suas comissões técnicas de maneira absolutamente incoerente, buscando mais pelo acaso - do que necessariamente por uma relação causal - colher frutos minimamente positivos.
Talvez os mais novos não se lembrem mas em 1996 o Internacional perdeu o técnico Nelsinho Baptista para o Corinthians e a indignação da torcida foi algo sobrenatural. A ira, a raiva, a frustração pela troca caiu como uma bomba no Beira-Rio, com o treinador sendo considerado eterna “Persona non grata” em qualquer rincão onde estivesse um torcedor colorado. Naquele ano, o Corinthians tinha melhor estrutura, melhor time, era mais organizado e tinha reais chances de título. De fato, razões racionais haviam para aceitarmos sua ida compreensivelmente, mas o elemento que realmente magoou e chateou foi justamente deixar o clube na mão. Em geral, quando um clube demite um treinador ele é atacado por sua falta de planejamento, amadorismo, mas a relação inversa jamais mostra-se justa quando é o treinador que “demite” a instituição, buscando outros projetos. No caso do Inter, pelo menos, viu-se essa relação dividida espelhada entre ‘Chacho foi fritado por uma direção amadora’ e ‘Coudet é um traidor’. De certa forma os dois lados estão certos e, paradoxalmente, errados.
Não há como tirar da atual diretoria as preocupações de um deficit – que inicialmente era projetado na casa dos 13 milhões – batendo nos 60 milhões, sob efeito de uma pandemia que ainda não terminou e afeta de maneira direta todo o contexto na incerteza dos planejamentos. O Inter ao não contratar opta pelo não-populismo barato e a mínima responsabilidade, enquanto tenta na mesma medida subir jovens promessas para justamente conseguir sair desse buraco financeiro de seguidas más administrações. Após adentrar 2017 com praticamente nenhuma peça da base em 2020 o clube apresenta inúmeros nomes de seleções sub-20 ou 17 que precisam jogar, independente do técnico (lembremos disso para retornar em seguida).
Sempre digo que uma gestão não nasce sabendo e – com o mínimo de planejamento – as pessoas conseguem evoluir de temporada a temporada, mesmo que sempre errando consegue-se diminuir a porcentagem do erro. Eu não nasci sabendo e ninguém nasceu dirigente. Se avaliarmos o primeiro ano de Fernando Carvalho percebemos uma série de erros que quase culminaram no desastre do rebaixamento, mas com pouco de inteligência e bom senso costuma-se evoluir. O mesmo ocorre em 2020. Após fazer apostas absurdas em anos anteriores (Neilton, Parede, Rossi ou Pottker) a ideia foi formar um elenco cascudo de no máximo 20 jogadores, deixando a base ocupar esse vácuo entre os profissionais, um acerto após anos de contratações ineficientes e custosas. Esse é o ponto crucial, no meu ver, para explicar um contexto em que as relações entre a direção e Coudet azedariam: a política da gestão ia na contramão do treinador, que se viu frustrado por promessas que não puderam ser mais cumpridas. Essa má vontade de Chacho ficou evidente ao classificar Yuri Alberto e Maurício como não reforços, enquanto clubes como Flamengo (com Neneca, Matheuzinho, Natan, Gomes, Gabriel Noga e Ramon) Grêmio (Pepê, Darlan, Isaque, G. Guedes, Jean Pyerre, Ferreira), Palmeiras (Danilo, Menino, Patrick, Veron e Wesley) sobem e colocam esses jogadores mesmo com elencos superiores ao nosso.
Segundo fontes o argentino estava tão frustrado com o plantel vermelho que disse que seu Racing e Rosário Central tinham melhores opções que o Inter, enquanto uma temporada no país hermano não se tem nem 2/3 dos jogos somados aqui. Essa desconexão entre ambas esferas foi agravada por questões culturais. Na Argentina, os treinadores costumam reclamar abertamente de tais questões, prática rejeitada pelos bastidores brasileiros, ao preferimos ‘lamber as feridas internamente’ pois tendemos a desvalorizar publicamente o que temos, artifício que por mais fiel as suas possiblidades parece pouco inteligente na perspectiva do grupo em si. Com esses elementos, portanto, inferimos um ambiente de ebulição e falta de compreensão de ambos os lados que explicam a implosão nas coletivas de imprensa pós-Inter 2x1 Atlético-GO, pela Copa do Brasil, com o desgaste já sendo jogado no ventilador e claramente no limite. No meu ponto de vista, então, faltou à direção tato para passar panos quentes e a Eduardo Coudet consideração pelo momento de crise mundial e de timing para sair. Não há santo nem vilões em ambos os lados dessa história, infelizmente.
Desta maneira e colocando na balança tamanha conjectura, Eduardo Coudet me pareceu extremamente desleal com o Sport Club Internacional ao deixar seu cargo à disposição mais de uma vez (segundo relatos foram três vezes), mas, sobretudo, ao entregar o cargo de maneira irrevogável justo nas semanas mais emblemáticas da temporada ultrapassados 11 meses de suor de todo um grupo que esteve ao seu lado dia a dia. Vamos lembrar, também, que por mais que Medeiros & Cia tenham errado em diversos momentos, eles esperaram o treinador sair do Racing, aceitaram resultados e atuações vexatórias em clássicos, sem jamais citarem qualquer possibilidade de demissão. No final, o ônus da prova recai sobre o próprio treinador, que terá que pagar uma multa de quase 14 milhões ao Inter, tamanha aversão que parece ter assolado em suas entranhas pelo SCI, saindo – como disse Magrão – pelas portas dos fundos. Ainda assim e fazendo uma leitura meramente pessoal, me parece evidente que ele não acreditava no potencial do elenco, preferindo sair ao pagar por essas deficiências ali na frente. Soma-se a isso o fato empírico de que sua saída ao Celta não foi formalizada do dia para a noite, deixando claro que mesmo ocupando o cargo de treinador do Inter sua cabeça já estava em outras bandas. Não há a mínima chance de eu defender sua permanência nessas condições, mantendo um profissional que não se faz presente de "corpo e alma" e focado em nossas necessidades.
Que fique claro, entretanto, que particularmente não queria sua saída e posso defender seu trabalho – que era bom no aspecto geral - mas não sua atitude pouco profissional em relação ao Inter. Dada essa realidade que se impõe, Coudet é passado e o clube está muito, mas muito acima de ser dependente de apenas uma pessoa. O elenco do Inter é curto? Sem dúvida. Por outro lado, façamos uma avaliação mental básica: quantos clubes no Brasil possuem plantéis melhores? Flamengo e Palmeiras, certamente, Grêmio e Atlético, provavelmente, quem mais? De 20 clubes estamos no top 5 ou 6 em capacidade técnica, mesmo perdendo peças chaves por lesões. Isso deflagra que mesmo com problemas podemos seguir adiante, levantar a cabeça e trabalhar. Agora, todavia, precisaremos como todos os clubes vencedores de um pouco de sorte, lucidez e foco para seguirmos adiante. Aqui, meu discurso, não será de terra arrasada mas de construção.
ABEL BRAGA
Conversando com os amigos aqui no site e nas redes sociais opino rapidamente sobre o novo técnico alvirrubro: Abel Braga - mal comparando mas já comparando - poderia ser visto como o Renato Gaúcho do Beira-Rio ou vice-versa. Renato chegou no rival após a saída de Roger, em um momento até mais conturbado e com trabalhos recentes ruins. Sua capacidade de liderança no vestiário (estilo paizão), personalidade aglutinadora e treinos – famoso rachão e trabalhos técnicos – são a mesmíssimas base de Abelão. Sob certa perspectiva ambos os técnicos são ótimos para apagarem incêndios e raramente ficam muito tempo nos seus clubes, a não ser quando ocorre a famosa “liga”, ai os frutos acontecem. No momento o clube não parece ter muito mais a quem se apegar e a escolha me parece óbvia pelos mesmo motivos do Grêmio em 2016. Ademais, um vestiário depressivo e conturbado (pelo ambiente eleitoral) precisa de personagens fortes e carismáticos, para sustentar a mínima competitividade e organização nos últimos meses da temporada. Saímos do sonho, do projeto a longo prazo, para seguirmos lutando pela sobrevivência.
OBS: Ademais, preciso ressaltar a falta de tato e coerência de todos na gestão do clube que largaram seus cargos visando uma eleição que precisaria ser realocada para fevereiro. O bom senso jamais se mostrou presente em praticamente nenhuma alma do clube, postura que demonstra a falta de sentido comum nas entranhas do Internacional. Política não exige união, mas bom senso, independente do lado que se esteja, isso, infelizmente, não apareceu justamente em uma era simbólica como a atual de pandemia.
Saudações aos amigos e seguimos na luta!
Por Alan Rother / @Celta_Bardo
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