A Câmara Municipal de Porto Alegre realizou na noite desta quinta-feira (23/9) audiência pública para debater o Projeto de Lei Complementar do Executivo nº 004/19 que autoriza a realização de um empreendimento imobiliário em uma área de 2,5 hectares "dentro do todo registrado sob o domínio do Sport Club Internacional". A atividade, coordenada pelo presidente do Legislativo, vereador Márcio Bins Ely (PDT), aconteceu por videoconferência.
Em 7 de dezembro de 2017, o clube solicitou à Prefeitura formalmente, por seu presidente, o encaminhamento de projeto de lei visando “autorização para a realização de um empreendimento imobiliário a ser comercializado”, que ocuparia em torno de 25.000m2 da área em domínio do clube. Como contrapartida, ficou estabelecido que o Município e o Internacional aditariam o Termo de Permissão de Uso que trata da área de 25.748m2, formado pela Rua Fernando Lúcio Costa, Avenida Padre Cacique, Rua Carlos Medina, e Avenida Edvaldo Pereira Paiva. A proposta é objeto de Estudo de Viabilidade Urbanística, prevê a edificação de duas torres com imóveis residenciais e comerciais e, segundo o clube, viabilizaria financeiramente a implantação do seu novo Centro de Treinamentos (CT), durante as obras realizadas para a Copa de 2014.
De acordo com o projeto fica incluído o artigo 2º-A na Lei nº 1.651, de 9 de outubro de 1956 – que dispõe sobre a doação realizada pelo município ao clube - e autoriza a construção no terreno. Também fica excluída da Área de Interesse Institucional de que trata o art. 4º da Lei Complementar 511, de 21 de dezembro de 2004, o polígono descrito no parágrafo único do art. 2º-A da Lei nº 1.651, de 9 de outubro de 1956.
O secretário Municipal de Urbanismo, Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smamus) Germano Bremm, abriu as manifestações lembrando que o projeto, apesar de ainda não ter passado pelo Conselho Municipal do Plano Diretor, foi encaminhado pelo governo e amplamente debatido pela Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge), que reúne técnicos de diversos órgãos e secretarias. Explicou que a mudança da lei só é necessária em razão da inclusão de atividade residencial no projeto e que a flexibilização das alturas poderia ser feita de forma interna a partir do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU).
O arquiteto da diretoria de planejamento da Smamus, Patric Stephanou, informou que o Plano Diretor prevê flexibilizações em empreendimentos de grande porte, como este na área doada ao Internacional, “que prevê a construção de imóvel com 30 metros quadrados e torre com volumetria em grau máximo, com 130 metros de altura”. Stephanou explicou que, além da flexibilização, como a Área Especial de Interesse Institucional, foi solicitado também uso residencial no empreendimento, previsto para comércio e centro de treinamento do clube. Segundo o arquiteto, estudos técnicos foram realizados, e viabilizam as construções apontadas no projeto. Disse também que “pelos estudos feitos, o terreno do Internacional está numa zona arquitetura icônica, e pelo regime urbanístico especifico, a área é mista e permite a construção de residencial e outras atividades de comercio e serviços, sem restrições".
Representantes do Inter
Presidente do Conselho de Gestão do Internacional, Humberto Busnello, destacou que o projeto se inclui na valorização e qualificação da Orla do Guaíba quem vem sendo desenvolvido por sucessivas administrações públicas. Citou o trecho 1 e 3, a restauração do Beira Rio e a duplicação da Edvaldo Pereira Paiva para a copa 2014, assim como as obras no entorno do Museu Iberê Camargo, Pontal do Estaleiro e Barra Shopping que destinaram importantes recursos a contrapartidas para a qualificação de áreas públicas junto ao Lago. Reconheceu que projetos dessa ordem podem causar contrariedades e contestações. Mas disse estar convicto que houve ampla discussão, ajustes feitos pela prefeitura para garantir melhorias para os cidadãos e que os vereadores saberão encontrar as convergências em meio as divergências para o bem da cidade.
O conselheiro e presidente da comissão de novos negócios do Inter, Lamana Paiva, ressaltou que a área total de propriedade escriturada do Internacional tem 150 mil metros quadrados, sendo que deste total, apenas 25 mil serão destinadas ao projeto. Lembrou a origem do terreno, doado a partir de Lei, em 1956, que autorizou o aterro de um espaço dentro do Rio Guaíba, “portanto, de água, com todos os custos pagos pela entidade donatária, em prazo de dois anos”.
Paiva também citou outros empreendimentos similares, como o caso do Barra Shopping, que por lei estadual permitiu a negociação de área doada ao Jockey Club com a Multiplan. Falou que, no caso do Inter, o espaço vem sendo utilizado apenas para estacionamento e a partir da execução do projeto será destinado a um complexo multiuso, com grandes benefícios à cidade, especialmente ao turismo, geração de empregos e de impostos.
Ao final da sua manifestação informou que dos 25 mil metros 49% do total (12.311 metros quadrados) não serão edificados, mas utilizados como praça pública. E apresentou estudo com dados de que a construção das torres não irá trazer impacto de sombreamento ao Asilo Padre Cacique.
Para o vice-presidente de Negócios Estratégicos do Inter, Paulo Corazza, as medidas mitigatórias serão a contrapartida do clube para a cidade. Citou a construção de um píer público que permitirá um ancoradouro para o catamarã em área de 5 mil metros à beira do Guaíba. Ainda a restauração e ampliação do Asilo Padre Cacique, com a devida aprovação do EVU; de uma faixa extra para o trânsito de veículos na Avenida José de Alencar, a reforma da Unidade Básica de Saúde Santa Martha e a construção de uma escola infantil com capacidade para atender a 250 crianças.
Contrários à proposta
Representante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (Cmdua), Hermes Puricelli, salientou que o projeto não foi aprovado no Conselho. Ele lembrou que “quando da doação do terreno para aterro e construção do estádio, o Internacional assumiu que iria construir um grupo escolar e não o fez e agora estão prometendo de novo a construção de escola como contrapartida”.
Disse ainda que os gestores do Inter não cumpriram os projetos sociais que se comprometeram e que constam no processo administrativo. “Porto Alegre precisa de segurança, calçadas, tirar a população miserável da rua, que espanta turista e envergonha a cidade, e não de uma torre. Será criado precedente de privatização da orla, os mecanismos já estão dados para passar o espaço público à iniciativa privada e ter lucros vultuosos”, disparou.
A coordenadora do Colegiado Setorial de Memória e Patrimônio do Estado, Jaqueline Custodio, entende que o projeto precisa ser mais debatido entre moradores, representantes de escolas de samba e da comunidade para analisarem as contrapartidas e avaliar todos impactos como de meio ambiente e mobilidade. “Não vejo benefício para a cidade, apenas para o Inter, como está na justificativa do projeto que, com o dinheiro, vai construir o Centro de Treinamento. E apenas cinco pessoas inscritas para falar não é democrático”, concluiu
Felisberto Seabra Luisi, conselheiro da RP1 do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (Cmdua) criticou duramente o projeto. Disse que ele só não teve o EVU aprovado no Conselho porque interviu lembrando que havia projeto a ser apreciado no Legislativo e solicitou consulta à Procuradoria Geral do Município. Que não é contra a construção de torres, mas que isso não pode ser feito em qualquer lugar, porque a cidade não quer mais espigões na Região Central.
Luisi falou que faltam projetos para as periferias, para integrá-las de forma inclusiva ao centro da cidade e diferente da proposta que, para ele, é “voltada para uma minoria que só pensa no seu umbigo”. Afirmou que os conselheiros tem a dimensão clara do que a cidade precisa e que, se necessário, irão lutar no judiciário para impedir que o projeto seja executado. Apelou ao presidente do Inter e disse que a posição não é contra o clube, mas que assim como ocorreu com o caso da negociação do Estádio Olímpico pelo Grêmio, defende os interesse de torcedores que também estão alijados do debate.
Para Simara Mombelli, moradora da Região, a discussão não evoluiu em relação a debates anteriores em que a mesma apresentação foi feita pelo governo e pela direção do Internacional. Que uma série de pontos já levantados pela comunidade, “mais uma vez não foram respondidas”. Ela contestou o estudo de sombreamento apresentado e afirmou que se não engloba a vizinhança, pois se foca no Asilo Padre Cacique sem olhar o entorno. Disse que, somado aos demais projetos já em execução, esse irá contribuir para a formação de mais uma ilha de calor, com impacto semelhante ao que já é possível ver em outras cidades onde foram desenvolvidos, “pois impede a livre circulação de ar, com impacto negativo para toda a cidade”.
Finalizou ao afirmar que não se trata de ser a favor ou contra o desenvolvimento, mas de defesa contra o que definiu como uma “descaracterização da identidade cultura e natural de Porto Alegre”. E lamentou que os vereadores negociem com o Inter, “que já não cumpriu com as contrapartidas que deveria em compromisso assumido anteriormente com a prefeitura”.
Representante do Quilombo Lemos, localizado em área lindeira ao Asilo Padre Cacique, Sandro Lemos cobrou o fato de sequer os quilombolas serem mencionados no projeto. Para ele isso caracteriza a “invisibilidade social” de uma comunidade que está situada na região, antes mesmo da construção do estádio Beira-Rio. Disse que em momento algum as comunidades do Quilombo, da FASE e da Vila Buraco Quente ou da Vila Gaúcha foram procuradas para o debate e construção da proposta. Que o que está acontecendo é semelhante ao que ocorreu com as comunidades da Ilhota, “que foi parar na Restinga”, e do Mont Serrat que foi expulsa pela especulação imobiliária. Afirmou que Porto Alegre é a capital mais racista do Brasil e que a forma como está sendo conduzido esse processo demonstra o “segregacionismo da negritude”. Mas que haverá resistência.
Favoráveis ao projeto
Oscar Gilberto Escher, arquiteto e membro do Instituto Urbano Ambiental, elogiou a proposta, que entende ter a visão de valorização e de um novo olhar para o lago Guaíba. Disse que as críticas são bem-vindas e constroem melhorias ao projeto. Recordou que muitos foram contra a urbanização do trecho 1 da Orla, inclusive de vaias ao arquiteto Jaime Lerner, que projetou a obra; mas que hoje os benefícios que ela trouxe são uma unanimidade na cidade, comprovado pela frequência semanal de milhares de pessoas.
A representante da região do Partenon e Lomba do Pinheiro, Maristela Maffei, disse que não é contra a verticalização da cidade e que não deve haver disputas internas entre clubes e partidos políticos. “Nossa posição é que o Plano Diretor seja revisado e analisadas as contrapartidas com mais profundidade. Sou a favor do empreendimento, mas devem participar do debate os quilombolas e levar em conta a questão do Carnaval”, afirmou.
A bióloga Adriana Trojan disse que o projeto é positivo para a cidade porque dará mais segurança, melhor infraestrutura e mais beleza para região que, segundo ela, em determinados horários da noite tem pouca circulação de pessoas por falta de opções para quem frequenta a orla. “O projeto é um trabalho de muitas gestões e foi debatido por muitos profissionais qualificados, como técnicos do Inter e do município e trará melhorias e desenvolvimento para a região”.
O arquiteto Mauricio Santos disse que foram ouvidas comunidades de várias regiões e pontuou que a área do entorno deve ser ocupada. “Usar a área urbana é fazer o desenvolvimento, contrário de especulação imobiliária". Para o arquiteto, o espaço não vai ser privatizado, mas concentrar mais área pública para a cidade. “O projeto conjuga interesse econômico com o cultural, uma vez que através editais o patrocínio viabilizará um centro cultural com mirante, para acesso gratuito ou valor muito baixo”, relatou.
O torcedor e conselheiro do Internacional José Olavo Bisol falou em defesa do projeto. Disse que há mais de cinco anos o clube, em suas instâncias técnicas, discute a proposta e que não vê problemas de ordem jurídica, arquitetônica ou ambiental que sejam impeditivos às alterações propostas na lei. Para ele, o projeto nasce da vontade popular de ver essa região desenvolvida e capaz de gerar desenvolvimento à cidade. Por fim, lembrou a importância social dos clubes futebolísticos para o turismo e geração de renda, que promovem a qualificação econômica e social de Porto Alegre.
Vereadores
A vereadora Cláudia Araújo (PSD) disse que é favorável ao projeto porque os empreendimentos vão gerar desenvolvimento e novos empregos para região. “Nenhum licenciamento seria feito se o projeto não fosse legal e oportuno. O trabalho da Secretaria do Meio Ambiente tem legitimidade porque foram feitos estudos técnicos”, afirmou a vereadora. Ela disse ainda que “a cidade continua crescendo e a gente não pode impedir o crescimento”.
O vereador Aldacir Oliboni (PT) entende que uma audiência pública não vai resolver os problemas e que o projeto apresentado pelo Inter tem uma visão comercial e econômica, e não social. Ele salientou que “na época da cedência do espaço ao clube e, recentemente na Copa do Mundo, em que foram retiradas as escolas de samba, não foram feitas as contrapartidas de construção de escolas”. Segundo o vereador, o clube deveria ouvir os moradores, torcida e conselheiros sobre a construção pleiteada. “E rever o projeto que tem índices construtivos além do permitido no Plano Diretor”, concluiu .
A vereadora Karen Santos (PSOL) questionou a falta de diálogo e construção da proposta com as comunidades vizinhas, especialmente do complexo do samba, Morro Santa Teresa, FASE, e quilombolas, que desconheciam o projeto até ele ser finalizado. Indagou qual seria o interesse público para a construção de duas torres que, segundo ela, irão beneficiar a uma elite em detrimento de projetos necessários de saúde, educação, regularização fundiária, transporte público e outros para as periferias da cidade.
Para ela, a proposta segue o olhar de privatização do espaço público que deveria ser voltado ao coletivo. Que as camadas menos favorecidas só conhecerão o complexo para o trabalho em baixa remuneração ou de passagem em ônibus lotados pela Padre Cacique. Por fim também apelou a direção do Internacional para que apoie a realização de um plebiscito com toda a população da cidade.
Já o secretário de Governança Local e Coordenação Política Cássio Trogildo, foi o último inscrito a se manifestar. Ele parabenizou a todos pela realização da audiência, “como rito regimental e necessário”, frisou. “Trata-se de empreendimento em área privada do Inter e o projeto de execução está previsto em lei, assim como a flexibilidade das atividades”, concluiu.
Acompanharam a Audiência Pública, os vereadores Hamilton Sossmeier (PTB), José Freitas (Republicanos) e Pablo Melo (MDB), representantes de entidades, moradores e torcedores do Internacional.
Fonte: camarapoa.rs.gov.br
Glei Soares (reg. prof. 8577)
Milton Gerson (reg.prof. 6539)