Texto por Colaborador: Redação 15/11/2020 - 13:00

O filósofo alemão Friedrich Hegel criou uma das frases mais populares que classificava a filosofia como ‘A Coruja de Minerva’, que de maneira bastante resumida significa que os filósofos só podem alçar qualquer reconhecimento da realidade após os acontecimentos, não se prestando para projetar ou fornecer “vislumbres” do que acontecerá em qualquer instante além do presente.

Embora seja bastante difícil observar todos os acontecimentos sem criar elos de causalidades entre o que pensamos que irá acontecer, é basicamente através dessa ideia que posso avaliar os 11 meses e 2 semanas de temporada do Sport Club Internacional.

Em janeiro de 2020 um futuro alentador aquecia os corações e almas de mais de 7 milhões de torcedores, cientes de que um projeto baseado em um treinador de alto nível poderia nos tornar um time competitivo para plasticamente competitivo e com reais chances de tirar mais dos jogadores.

Naquela época, quando me perguntavam o que eu achava do time alvirrubro, peças como Guerrero, Saravia, Boschilia, Moledo, Cuesta, Patrick, Edenilson, Dourado e Galhardo pareciam mais do que uma base interessante para se criar uma espinha dorsal onde nomes medianos ou até fracos pudessem ser incrementados no decorrer do ano, dando sempre espaço para promessas da base que pouco vingaram em temporadas anteriores. Todavia, na data em que escrevo esse texto aos amigos, mais precisamente na madrugada de 15/11, o Internacional chega no mês mais importante e decisivo sem vários desses nomes chaves, em um cenário conturbado internamente, de desaglutinação e com um técnico que teve tempo para comandar dois treinos de 30 min. Basicamente, vivemos o caos (isso sem nem citar a pandemia).

Fizemos algumas coisas certas de janeiro até aqui mas também erramos em diversas situações e minha preocupação, portanto, é criarmos conceitos e não acusarmos pessoas ou grupos, para que tenhamos um ambiente saudável de discussão que fuja do senso comum onde nada presta e tudo está errado, perdeu dois jogos? Consequentemente todos são incompetentes (vamos começar tudo do zero, sempre! Assim ).

Em proposta de tópicos, citarei abaixo um resumo dos erros e acertos que me parecem cruciais para entendermos as dificuldades e como poderemos sair em alguns deles, mesmo que não sejam fáceis.

PLANEJAMENTO

Abro o site de estatísticas e comparo o número de jogos dos principais reservas do nosso rival (Porto Alegrense), para tentar justificar uma ideia que já pairava em minha mente mas que precisava ser analisada e construída de maneira sólida, reconfirmada pelos dados:

Lateral direito reserva Inter vs Grêmio (caso deles sem titular absoluto)
Heitor 13 Jogos / Rodinei 23 Jogos vs Victor Ferraz 22 Jogos / Orejuela 26
Zaga reserva
Lucas Ribeiro 1 Jogo / Moledo 25 jogos / Pedro Henrique 9 jogos vs David Braz 32 jogos / Paulo Miranda 21 Jogos / Rodrigues 14 / Ruan 7
Volantes
Nonato 19 jogos / Johnny 13 Jogos / Musto 32 Jogos / Praxedes 20 jogos vs Darlan 21 jogos / Lucas Silva 39 jogos / Thaciano 24 jogos
Atacantes
Yuri 12 Jogos / Peglow 9 jogos / L. Fernandez 9 jogos vs Isaque 31 Jogos / Ferreira 18 Jogos / Gui Azevedo 10 jogos

Numa rápida análise percebam que com exceção de Musto (o reserva mais fraco do elenco no meio-campo) todos os jogadores do Inter – sejam da base ou não – jogaram menos que os reservas gremistas, significando na prática o seguinte:
- Titulares com menos minutagem (do Grêmio), mais descansados e com menor chance de lesões a longo prazo, além de terem mais chances de estarem aptos física e mentalmente.
- Reservas com pouca rodagem (Inter), que não foram testados, não ganharam ritmo/sequência e quando utilizados entram com uma equipe descaracterizada ou atrás no placar, praticamente sem efeito.

Com isso chegamos a uma conclusão importante: a gestão de Coudet e da direção em 2020 – que foi na contramão da utilizada por Odair em 2018 e 2019 – foi completamente errada, pois diminuiu o alcance de peças chaves para os confrontos decisivos na reta final da temporada, em contramão, fomenta um maior número de lesões e de queda técnica/física. Na mesma medida inversa, justamente agora quando os reservas precisam entrar e dar conta do recado, eles possuem uma minutagem insuficiente ou são completos desconhecidos, não podendo amadurecer ou serem testados de maneira significativa desde Janeiro. Quantos jogos o Dalessandro entrou ou acabamos com 3 trocas sem utilização?

Faz um mês escrevi um artigo no site explicado como e porquê o Inter havia passado Setembro inteiro com apenas 2 vitórias em 30 dias, e basicamente decorria do sistema proposto por Chacho: intensidade, treinos exigentes até a saturação e ajustes nos trabalhos durante a semana, fatores que ele não possuía mais. Sem força física e utilizando de maneira errada o plantel o Inter foi e está em um processo de saturação física, que se traduz em lesões acima da média, atuações tecnicamente abaixo e subsequentes erros táticos em todo esse processo. Basta analisarmos os últimos jogos daquele mês ou os últimos 8 jogos - com exceção do Flamengo onde atuamos 45 min em altíssima rotação - a equipe afundou, mesmo sob a tutela de Coudet. Aonde quero chegar com isso? Que o ex-técnico colorado é burro e não serve? Não, apenas que o planejamento do atual comandante do Celta e da diretoria estava em desacordo com a nossa realidade.

Sob essa mesma perspectiva, o bom início do Inter na Série A fez levantar a esperança de que o clube devesse seguir com força máxima em todas as rodadas, modelo inverso ao adotado pelo Grêmio, de Renato Gaúcho, que sempre larga os pontos corridos (ciente de que não tem o melhor plantel, ciente de que terá que superar eventuais melhores plantéis com outras atribuições – como justamente um menor número de lesões e desgaste), ficando agora há míseros 3 pontos do Colorado, com quase todos na ponta dos cascos. Alguém está realmente surpreso? Não se trata agora de um exercício de futurologia ou muito menos de filosofia, mas de ciência, esta, sim, capaz de fazer previsões probabilísticas, caminho indicado por qualquer profissional da área. Enquanto isso, temos jornalistas, repórteres que defendem a ideia de que dado que Jorge Jesus não poupou ninguém, está definido o modelo certo para todos os outros times da Série A! O problema dessa tese é que ela explica justamente o que não precisa ser explicado: o Flamengo venceu porque tem e detinha o maior e melhor elenco, tal como o Liverpool na Inglaterra, o Bayern na Alemanha, o Real na Espanha, o Porto em Portugal. Pontos corridos - em regra geral - é um estreito definido com o melhor Elenco >> Calendário mais propício. Se um time tem o melhor elenco mas tem um calendário caótico(como o atual do Flamengo, que mesmo em péssima fase está em 2° lugar) ele pode ou deve perder para algum segundo time que tem um dos melhores elencos mas um calendário mais suave, como no caso do Galo, atualmente. Vejam bem, que não estamos falando do que irá acontecer, mas criando conceitos que não são inventados porque eu quero ou pegando as exceções (como o Leicester na Inglaterra ou o Atlético de Madrid na Espanha) para desconsiderar a regra, exceções são justamente exceções, existem, sempre existirão, mas jamais serão a regra. Já nas copas, embora sempre tenha uma certa lógica, tudo está mais aberto, mais incerto.

Havia dito na semana passada que o Inter provavelmente detém o 5° ou 6° melhor elenco do Brasil. Assim, se não temos o calendário mais propício, nem um dos melhores elencos, faz sentido a nível estratégico tentar lugar pela Série A? Baseado em quê?

Ademais, se esse plantel não é o suficiente, parece-me claro que também está longe de ser um desastre, mas estando sub-utilizado atualmente justamente devido ao péssimo gerenciamento. Entretanto, se essas decisões foram tomadas meses atrás, agora só resta colhermos os frutos, precisando se reinventar na tentativa de salvar uma temporada com esses fatores já definidos. Para isso, preciso avançar ao próximo tema, Abel Braga.

ABEL BRAGA

Em 2014 o Inter – tirando os monstros Alisson, Dalessandro, Alex e Aranguiz – de Abel tinha a base com Ernando, Paulão, Juan (muitas vezes machucado), Fabrício, Gilberto, Wellington Silva, Claudio Winck, Willians, Alan Patrick, Valdivia, Sasha, Taiberson e Rafael Moura. Naquela época, após um Gauchão vencido com goleada sobre o Grêmio, um 3 lugar no Brasileiro e uma decepcionante campanha na Copa do Brasil, o que o senso comum basicamente dizia era: esse time tem qualidade para jogar mais, o trabalho de Abel é ruim. Foi nessa conjectura e nesse julgamento que Vitório Píffero – de maneira oportunista – pingou o nome de outros treinadores enquanto Marcelo Medeiros manteve o impopular técnico campeão do mundo, ao passo que naquela época não percebíamos as evidentes limitações em quase todos os setores. Muitos daqueles jogadores ou atuaram no rebaixamento de 2016 ou acabaram atuando na sequência em clubes de segunda categoria.

Citei esse exemplo não para exatamente defender o atual técnico alvirrubro mas para fazer justiça. Embora aquele time me desagradasse e parecesse desencaixado, parece-me evidente que as peças estavam longe de fornecerem ao próprio Inter um salto de qualidade visando qualquer título, que era o que a torcida exigia e imaginava ser possível.

Por ter sérias dificuldades em seguir o senso comum (não porque "é" senso comum e preciso ser do contra mas porque geralmente discordo realmente) que, por exemplo, por trabalhar com futebol assistia a quase todos os jogos do Fluminense de 2017 e 2018, e aquele time – extremamente limitado do Abel – em uma solução no 3-5-2 teve excelentes momentos, esbarrando (assim como no time colorado de 2014) em evidentes limitações técnicas. Todavia, ao ler todos os comentários sobre o trabalho de Abel Braga se ressalta sempre o Flamengo e seus últimos três fracassos. No Rubro-Negro, sem dúvida, o rendimento daquele time não era bom, mas poucos comentam que não haviam nomes como Gerson, Filipe Luis, Rafinha e Pablo Marí, além de tempo. Coloque esses 4 nomes no Inter e somos um dos melhores do país, é como comparar coisas diferentes. Nos casos de Cruzeiro e Vasco, de instituições em caos e desestruturadas, apontar qualquer fracasso aos técnicos beira ao surreal. Enfim, Mourinho fracassou no United e em seu retorno ao Chelsea? Chacho no Tijuana? Renato gaúcho em uma lista gigantesca de clubes? Porque não avaliamos os contextos? Acho justo avaliar os técnicos, quando eles desfrutam de tempo e uma estrutura formada ao redor exemplar. No entanto, antes de qualquer montagem estrutural, focamos na casamata “cases” de sucesso (e todos tiveram insucessos, basta procurar), personificando e omitindo os anos que se exigem para a montagem dessas estruturas pré-treinadores.

Vivemos em uma época dos “super-técnicos” onde mesmo um Jurgen Klopp levou 3 anos para formatar seu time e queremos o mesmo em 2 dias. Agora, em um calendário próximo ao brasileiro – devido a pandemia – Liverpool, City sofreram goleadas absurdas (7x2 e 4x1) em uma temporada exótica com jogos em baixa rotação, tudo apenas graças ao calendário amador - que se repetiu por lá por conta do Covid-19 – mas que aqui é regra ano após ano. 30 dias após a estreia de Coudet já se lia nos jornais e em parte da torcida que o argentino era um péssimo técnico, com essas avaliações indo ao ápice (com a liderança no Brasileiro) e ao sopé nos GreNais ou tropeços nas péssimas apresentações (Goiás, Católica, Corinthians, Coxa, Cali, SP, Bahia, etc). Jamais se oferecia uma leitura com contextos ou se dava tempo para qualquer análise sob uma perspectiva mais ampla. O mesmo, agora, será deflagrado com Abel, que se não fizer mágica nesse caos e erros de planejamento prévios, será considerado incompetente, isso tendo parte do elenco com peças escolhidas pelo ex-treinador. Ano que vem virá o próximo, até que no acaso consigamos o milagre de um acerto.

MODO SOBREVIVÊNCIA

Debatendo com meu irmão, ele falou algo bastante interessante e que talvez caiba no futuro imediato do Internacional: assim como eu, ele via os jogos do Flu de 3/2 anos atrás, e vê naquelas ideias propostas por Abel talvez uma das esperanças para tentar solidificar um time que tem sofrido muitos gols tolos, sem confiança e em queda fisicamente. Assim, propomos algumas ideias (ainda que haja zero tempo para praticá-las e por isso são arriscadas, o que temos a perder jogando como estamo nos últimos jogos?):

- Não importa a plasticidade do jogo, fundamental agora é ser consistente e eficiente: uma formação com 3 zagueiros (sacando Marcos Guilherme) com Moledo, Cuesta e Lucas/Ze Gabriel/Pedro Henrique poderia dar mínima solidez aérea e defensiva, liberando os alas a reocuparem outros setores para superioridade numérica (já que grande parte dos nossos gols saem de cruzamentos). Na atual fase sair atrás em qualquer jogo é o decreto da derrota.

- Se o adversário tem mais qualidade e posse de bola, deixe a bola com eles, e aproveite o espaço no campo deles. O Inter não sabe mais o que é contra-ataque pois encontra-se numa formação previsível de saída de bola (manjada pela linha de 3), que raramente se mostra eficiente. A equipe de Coudet tinha o forte na marcação intensa e na contra-pressão e gols pelo desarmes, não exatamente no trato dela. Sem intensidade (devido aos fatores anteriores listados), só temos uma posse de bola infértil.

Finalizando, caros amigos (as), percebam que precisei fazer um texto enorme - além de horas de pesquisa - para montar uma narrativa que visa oferecer a você torcedor concepções, não tratei aqui de mocinho ou bandido, vilão ou herói, ou de uma verdade que não possa estar incompleta ou equivocada em partes. A ideia por trás disso é visar o debate na sociedade colorada de maneira qualificada onde as justificativas são mais interessantes e não somente as respostas prontas que sempre estão dispostas por inúmeros agentes. 

Na sequência, tentarei falar sobre política do clube, e o quanto estamos atolados em um emaranhado de amadores (não exatamente no mau sentido mas no real, e sem exceção, que vendem seus "peixes dourados"), que precisarão de um ano para aprender como funciona minimamente a administração (ninguém nasce dirigente nem passou por uma graduação do tipo) de um clube, 2 para fazer ajustes desses erros e 3 para de fato diminuir a % desses erros substancialmente, enquanto a torcida exigirá de imediato: títulos, time impecável e bom futebol, com uma dívida que não foi reduzida e uma pandemia no horizonte. Quando trataremos da verdade na raiz e dos problemas sem fantasias?

Agradeço a todos que comentam neste espaço, de coração!

Por Alan Rother / @celta_bardo

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