Texto por Colaborador: Redação 24/04/2020 - 13:40

Nesta sexta-feira (24) o Globo Esporte.com divulgou uma longa entrevista do Blog Lozetti com Abel Braga, treinador campeão da Libertadores e do mundo com o Inter em 2006. O técnico reviveu e lembrou passagens marcantes do time que entrou para a história do colorado e do futebol brasileiro. Confira os principais trechos.

TEXTO:

Proposta para assumir o Inter em 2006: "Em 2005, eu havia feito uma campanha bem legal com o Fluminense, fomos campeões cariocas, e fui indicado ao prêmio de melhor técnico do Campeonato Brasileiro. Durante a festa, o (Jorge) Machado (empresário) disse que o Fernando Carvalho (ex-presidente do Internacional) queria jantar comigo depois. Fomos ao Porcão (churrascaria no Rio de Janeiro), eu, Fernando, Machado e o Leomir (auxiliar de Abel). Conversamos e ele falou assim, isso me marcou muito: “É meu último ano de mandato e eu quero ser campeão da Libertadores. Vou te dar essa chance também. Está a fim?”. Em 1989, chegamos à semifinal, ganhamos fora de casa do Olímpia (PAR) por 1 a 0, e no Beira-Rio estávamos vencendo por 2 a 1, perdemos um pênalti, sofremos a virada e perdemos nos pênaltis. Eu tinha pegado o time em 88 no décimo lugar e fomos vice-campeões brasileiros. Era meu terceiro clube, eu era muito novo, então sempre houve uma relação muito legal com o Inter. Tanto que agora já são sete passagens.

"O Muricy (Ramalho, antecessor de Abel naquele Inter) havia deixado a equipe praticamente montada. Era um grupo muito bom de trabalho, com um coletivo muito forte. Ao longo do ano chegaram o Wellington Monteiro, o Hidalgo, o Vargas, lancei o Pato e o Luiz Adriano. Mas a base era o time do Muricy.

Quais foram as dificuldades ao longo do ano? "Muitos times não jogavam com três zagueiros, mas quando enfrentavam o Inter mudavam. Analisávamos o rival, editávamos um vídeo para os jogadores. E quando saía a escalação, vinham com três zagueiros. Isso durou o ano todo, mas principalmente no Gaúcho, no campo dos caras ou quando times mais fraquinhos vinham ao Beira-Rio. E eu mudava taticamente sem substituir, com o Fernandão. Se viessem com três zagueiros, o Fernando adiantava para junto do Iarley, para não ficar ele sozinho contra três. Se fossem dois zagueiros, ele vinha como um meia-atacante para não ficarmos inferiorizados no meio-campo. O Fernandão dizia: “É só eu olhar pra você e vou entender a mudança”. Às vezes, ele insistia antes do jogo que o adversário não viria com três zagueiros. Quando começava, pronto, três zagueiros. Ele olhava, ria e já fazia um sinal (risos).

Michel era bastante criticado pela torcida. Como foi bancar atletas que não agradavam? "O Michel destoava um pouco da parte técnica, mas dava velocidade nos contra-ataques e compensava a ofensividade da equipe. Ele ajudava muito. As pessoas não entendiam a importância tática dele nesse time. Quando o lateral dos caras atacava muito, ele não deixava jogar. O pessoal quer ver só grandes jogadas de grandes jogadores.

A perda do título para o Grêmio colocou o trabalho de vocês em dúvida? "Fomos muito bem até a final contra o Grêmio. Empatamos na casa dos caras, 0 a 0, e em casa o Fernandão abriu o placar. No penúltimo minuto (na verdade, aos 34 do 2º tempo), a bola era nossa, o cara foi dominar no peito e a bola saiu pela lateral. Eles cobraram, sofreram uma falta, bateram na área... uma bobeira geral. Tomamos o gol e eles foram campeões. Estava aquele velório no vestiário e eu pensando: f...., perdi o Gre-Nal. Mas veio uma coisa bem clara na minha cabeça: o Inter era tetracampeão, seria penta se vencesse e é muito difícil isso num campeonato dominado por dois times. E seria normal haver um relaxamento, uma soberba. Comentei com a comissão: “Tô f...., devo ser mandado embora, mas foi a melhor coisa que podia acontecer para o Inter. Se ganha, ia fazer merda na Libertadores”.

Você achava que estava acabado ali? "O Vitório Píffero (diretor de futebol na época) já estava no vestiário, aí entrou o Fernando Carvalho e disse: “Pode levantar a cabeça, cara, tá preocupado com o quê? Ganhamos quatro anos seguidos, não vai mudar nada. Lembra o que eu te falei quando te contratei? Não te contratei para ser campeão gaúcho”. E eu fiquei pensando: será que existe mesmo gente assim no futebol? Logo depois, no calor do Gre-Nal, o cara falar isso. Eu nunca tinha visto. Tudo começa numa crença do Fernando Carvalho, que se tornou algo real. Ele não se importou minimamente em perder aquele Campeonato Gaúcho. E depois que ganhamos a Libertadores, fomos jantar e ele disse que se tivéssemos ganhado o Gre-Nal teria sido pior. Até hoje somos amigos. Sempre que vou jogar em Porto Alegre, tenho que comer churrasco na casa dele. Ele foi o grande comandante, sabe? Tinha muita consciência do que queria, em quem apostou, nos jogadores que contratamos. O Wellington Monteiro, ele que mostrou os vídeos no Caxias, e eu falei: “Pega!”. E depois vimos seu nível no Mundial, praticamente não deixou o Deco pegar na bola.

Esse apoio foi o estímulo para o que aconteceu no resto do ano, o estabelecimento definitivo do que era prioridade? "A equipe foi adquirindo personalidade, confiança. A relação entre comissão técnica, jogadores e direção era muito forte. E havia as lideranças de Clemer, Fabiano Eller, Bolívar, Edinho, Fernandão, Iarley, Fabinho. Eles entendiam perfeitamente a importância daquilo porque em Porto Alegre, qualquer discussão sobre futebol na rua, no bar, acabava quando o gremista falava que tinha Libertadores. O colorado não tinha como rebater.

Sem um grupo com esse perfil, não seria a mesma campanha? "Claro. Terminamos a primeira fase invictos, jogamos de novo contra o Nacional (URU), sempre no estádio apertado deles. Depois veio o jogo contra a LDU (EQU). Nossa logística foi muito boa, pegamos um avião perto do jogo, mas uma tempestade do c.... Chegamos atrasados, o avião não conseguia descer, todo mundo apavorado. Decidimos na hora que o Clemer (lesionado) não poderia jogar. Fizemos 1x0, perdemos muitos gols, mas muitos. E eles viraram. Foi nossa única derrota. Eles tinham um timaço, cinco jogadores da seleção equatoriana e o Méndez, um p.... de um jogador, que depois foi para a França. Em casa, vencemos por 2 a 0 e o Méndez bateu uma falta no fim, o Clemer fez uma grande defesa.

Importância do Clemer na Libertadores? "O Clemer era o cara da decisão, do jogo mais difícil. É o que eu falo do Diego Alves, do Flamengo. Quanto mais difícil, mais ele está presente. Quando precisava, tá louco, meu Deus do céu".

A semifinal contra o Libertad: "O jogo no Paraguai foi bom, pegado, o Guiñazu jogava no time dos caras. Tivemos chances de gol e eles também, até que num lance o cara chutou, a bola bateu na trave e nas costas do Clemer. Pela posição dele, tinha que ter entrado, mas foi pela linha de fundo. E quando acabou o jogo, 0 a 0, nós nos olhamos e falamos que alguma coisa estava se mexendo a nosso favor. E o time jogando bem, sabe, sem se retrair. Em casa nós ganhamos bem (2 a 0).

A final contra o São Paulo campeão mundial: "No jogo contra o São Paulo coroamos porque fizemos uma partida genial. Veja como começam as jogadas dos dois gols no Morumbi, tu fica abismado. Eu falava: “C...., que time é esse?”. A bola vai no zagueiro, nos laterais, roda, roda, até chegar o momento da verticalidade. Tudo que hoje dizem ser moderno. Para o segundo jogo, houve as expulsões do Josué e do Fabinho, e o Ricardo Oliveira não poderia jogar por causa do negócio do contrato. Cheguei em casa e falei que iria botar o terceiro zagueiro. Aí os caras começaram (veja o diálogo):

Pô, ganhamos no Morumbi com dois e vamos jogar com três?”
“Claro, cara, é o fator surpresa, o Muricy sem o Ricardo terá que vir com alguma coisa diferente para reverter, com o Chulapa, dois atacantes enfiados. E vamos estar preparados”.
“Tá, e quem vai marcar o Mineiro se você puxar o Edinho para trás?”
“O Alex”
“Tá de sacanagem, professor? O Alex não vai marcar o Mineiro”
“Claro que vai!”

"Eu já tinha conversado com o Alex, o Mineiro estava com uma contusão, sentimos no primeiro jogo ele mancando um pouco. Não estava 100%. E, enfim, o time jogou muito de novo.

Essa troca com os jogadores, isso teve peso nessa cumplicidade? "Era um ambiente incrível, tenho uma coisa boa comigo. Dizem que o Abel é paizão. Paizão, p.... nenhuma! Eu cobro pra caramba os caras, mas gosto de verdade, não gosto de sacanagem. Eu nunca gostei que fizessem comigo, vou fazer com meus jogadores? Eles sabem que eu cobro, xingo, mas é claro que sou amigo.

Mesmo com a conquista e pensando no Mundial, o Inter foi protagonista no Brasileiro. Como vocês se dividiram nisso? "Nunca acontecia de um time campeão da Libertadores ficar entre os primeiros no Brasileiro, e fomos vice-campeões. Durante esse período, mandamos o Robertinho (observador técnico, falecido em 2012) para o Egito. Ele viu dois jogos do Al-Ahly, que tinha o Manuel José, treinador português há cinco anos, havia participado do Mundial anterior, não mudava a maneira de atuar, com três centrais. Tinha o Aboutrika, grande jogador. Estudamos bem os caras e vencemos com um gol do Pato e outro do Luiz Adriano. Esse era o jogo mais complicado pelo favoritismo todo do Inter. O jogo da ansiedade, de cometermos erros que normalmente não cometíamos.

A semi final do Mundial: "Eu fui assistir a Barcelona x América (MEX). E eu fiquei assim... Pediram para os caras do América não encostarem nos jogadores do Barcelona? Não é possível! Foi 3 a 0, mas poderia ter sido 6, 7, 8, 9. Os caras treinaram, brincaram em campo.

Como mostrar aos jogadores que era possível vencer o Barcelona? "Nós mostramos aos jogadores só vídeos de derrotas do Barcelona: duas para o Real Madrid e duas para o Chelsea. No dia seguinte à semifinal deles, montamos o time para fazer um treino tático, de posicionamento. Vamos fazer assim, legal, começou o treino e um jogador nosso se posicionou muito errado. E foi uma merda, a verdade é essa (risos). Eu fiquei quieto. Fizemos bola parada, tal, ninguém falou nada, fomos para o hotel. E eu disse pro Leomir que amanhã teríamos de mostrar a eles a merda que deu antes do treino, para não repetirem. No dia seguinte, 10 e pouco da manhã, tocou a campainha do quarto. Eram Fernandão, Iarley e Pato. “Podemos conversar, professor?”. Eu falei que sim, eles entraram, eu fui escovar os dentes, e conversamos:

Ontem foi uma merda o treino, professor, estávamos conversando no café, vamos marcar os caras em cima, pressionar?”.
“Vocês enlouqueceram de vez. Fernandão, nós treinamos marcar pressão?”.
“Não, mas por isso que estou falando, o treino foi ruim”.
“C...., você quer comparar nosso time reserva com o Barcelona? Eu acho espetacular vocês estarem preocupados com isso, mas fiquem tranquilos porque eu mostrar a vocês porque deu merda ontem. Foi ótimo ter acontecido”.

"Tem um vídeo do Mundial que mostra minha palestra e eu digo: “Faz o que eu mandar que nós não perdemos”. Mostrei na palestra que um jogador nosso estava se posicionando errado.

Era o Alex? "O Alex. Ele largou, começou a sair no Granja (lateral-direito do time reserva) lá na casa do c...., e largou o Perdigão (meio-campista do time reserva). O Perdigão com a bola no pé joga como o Xavi. Ele vai pegar na bola 40 vezes e acertar 40. Não erra nunca. No dia seguinte, fizemos a entrevista coletiva e disseram que as apostas eram nove para um a favor do Barcelona. E eu disse que meu time não iria marcar feito gelatina, como fez o América. Iria marcar no ferro. Aí botaram que eu ia mandar dar porrada. Nunca mandei time meu dar porrada. Falaram que eu era violento quando jogava. Violento o c...., eu era duro, grande. Eu ia ser meigo?

"Na hora do jogo os caras estavam muito confiantes, o vestiário muito bom, dava para sentir o cheiro. Era fácil motivar. Qualquer palavra, qualquer frase era a favor dos caras. No túnel, o Puyol (capitão do Barcelona) puxou alguma merda e os caras começaram a gritar (risos). Os caras do Inter viram aquilo, olharam um para o outro, riram e começaram a berrar: “Vamos f.... esses caras!”; “Tão achando que vão amedrontar a gente?”. E eles entendendo porque tinha Belletti, Ronaldinho, Deco. E depois foi aquilo que se viu.

E o Adriano Gabiru... "O Adriano caiu demais de produção depois do título da Libertadores. Ele exagerou fora do campo e era vaiado porque Porto Alegre é um ovo. Todo mundo sabia da vida de todo mundo. Eu já briguei para levá-lo ao Japão. A diretoria praticamente me deu uma relação e perguntou: “É esse pessoal aqui que vai, né?”. Eu disse que era esse pessoal, mais o Gabiru. Ele tinha me ajudado a ganhar a Libertadores e uma condição orgânica, aeróbica, incrível. Em qualquer lugar, ele corre e joga, ainda mais motivado e descansado.

Entrada do Gabiru pelo F9: "Seguinte, a ideia não era colocar o Adriano, até porque ele não vinha bem. Tínhamos estudado muito o Barcelona, mérito praticamente todo do Robertinho. Todas as bolas que saíam de trás passavam pelo Thiago Motta. Tinha que passar nele. Por isso o Fernandão pregou. Eu falei para ele antes do jogo: “Sem a bola, você não tem que roubar bola, mas tem que estar perto do Thiago Motta o tempo todo. Ele não pode receber”. De tanto correr atrás dele, ele pregou. Só que alguns minutos antes, ele (Frank Rijkaard, técnico do Barcelona) tirou o Thiago Motta e eu pensei: saiu o único cara que realmente marca no meio, alto, bom na primeira bola, e entrou um cara que vai voltar menos (Xavi foi o substituto). E o Fernandão não aguentava mais. Vou com o Gabiru! Nem sei te falar por que, mas se o Thiago Motta não tivesse saído, o Gabiru não teria entrado. Certeza absoluta.

"A jogada do nosso gol começa um pouquinho pro lado esquerdo deles, entre o Deco e o volante, onde haviam sofrido os gols contra Real e Chelsea. Tantos jogos o Robertinho viu para chegar à conclusão que num time que tinha Ronaldinho, Deco, aquele francês rápido para c...., o Giuly, nós tínhamos que marcar o Thiago Motta. Apesar que o Ceará ficou muito mais próximo do Ronaldinho. Quando a jogada ia pelo lado esquerdo, o Wellington Monteiro chegava no Deco. Senão, ele vinha para dentro pro Edinho rodar até o lugar do Alex, que ia pegar o lateral. Mas uma coisa era muito clara: a bola tinha que passar no Motta.

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