"Brasileiros terão grande vantagem física em relação aos argentinos na Libertadores", diz pesquisador

Texto por Colaborador: Redação 15/09/2020 - 15:03

Os times brasileiros terão uma "enorme vantagem física" em relação, principalmente, aos argentinos no retorno da Libertadores da América, que acontecerá nesta semana e terá cobertura completa no ESPN.com.br, na ESPN Brasil e no ESPN App, além da transmissão de vários jogos ao vivo no FOX Sports.

É o que aponta Rodrigo Aquino, professor do Centro de Educação Física e Desportos da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e coordenador do Gecif (Grupo de Estudos e Pesquisa em Ciência no Futebol).

Em entrevista à ESPN, o pesquisador em ciência do esporte salientou que os jogadores brasileiros terão "melhores índices de força, velocidade e resistência" do que os argentinos nos jogos desta semana, já que estão treinando desde junho/julho e atuando com frequência, enquanto os hermanos voltaram aos trabalhos há poucas semanas.

Para ilustrar a diferença, veja quantos jogos cada time do Brasil já fez desde a retomada do futebol no país:

- Athletico-PR: 16
- Flamengo: 16
- Grêmio: 16
- Palmeiras: 15
- Internacional: 15
- Santos: 13
- São Paulo: 13

Por outro lado, os argentinos ainda não jogaram partidas oficiais, o que pode ter um alto custo nesta retomada da Libertadores, com muitas lesões musculares.

"Como os argentinos tiveram menor tempo de treinamentos presenciais e número de jogos, impactando em menor aptidão física dos jogadores, o principal efeito disso é o maior risco de lesões causadas pelo desgaste físico e fadiga acumulada durante os jogos", explicou.

Vale lembrar que a Argentina foi o último país a autorizar a volta dos treinamentos. E, quando regressaram aos trabalhos, clubes como Boca Juniors e River Plate tiveram vários casos de COVID-19 no elenco, o que atrapalhou a programação original e os trabalhos das equipes.

O River, no caso, fará sua 1ª partida da temporada 2020/21 justamente contra o São Paulo, nesta quinta-feira, no Morumbi.

Mss não serão apenas os argentinos que sentirão bastante fadiga na volta da Libertadores. Clubes como os bolivianos Bolívar (que enfrenta o Palmeiras) e Jorge Wilstermann (que pega o Athletico-PR) também jogarão pela 1ª vez desde março nesta semana, pela competição da Conmebol.

Outros clubes, como Olimpia (rival do Santos), Independiente Del Valle (pega o Flamengo), Universidad Católica (adversária do Grêmio) e América de Cáli (que enfrenta o Inter) já estão jogando oficialmente há algumas semanas, e, portanto, já terão ritmo de competição mais alto.

CONFIRA A ENTREVISTA

ESPN: A Libertadores volta nessa semana com uma particularidade muito grande: enquanto os times brasileiros já entraram em campo em média 15 jogos desde o retorno do futebol, os argentinos não disputaram nenhum, e agora farão sua 'estreia" no calendário 2020/21 justamente na competição internacional. Qual o tamanho da vantagem física que os jogadores dos times brasileiros terão sobre os rivais?

Rodrigo Aquino: O retorno antecipado aos treinos presenciais e o maior número de jogos das equipes brasileiras em comparação aos seus rivais podem resultar em grande vantagem física dos jogadores, principalmente em melhores índices de força, velocidade e resistência.

Essa melhor aptidão física é um dos fatores associados ao menor risco de lesões. Um estudo sueco sobre o tema revelou que lesões durante uma partida possuem efeitos psicológicos negativos para os jogadores acometidos, bem como para toda a equipe, com maior incidência durante partidas que resultaram em derrota.

No entanto, no caso de ausência de lesões para ambas as equipes durante o jogo, devemos entender que essa vantagem física dos jogadores brasileiros não necessariamente impacta em um melhor desempenho físico durante os jogos, expresso pelas distâncias percorridas em diferentes velocidades. Ou seja, os jogadores nem sempre usam sua capacidade física máxima durante a partida.

Em geral, dados de diferentes campeonatos do mundo mostram que o desempenho físico dos jogadores durante as partidas não sofre alterações significativas no decorrer da temporada. Ou seja, as distâncias percorridas durante os jogos no início, meio e final das competições são similares.

Além disso, outros fatores devem ser considerados para explicar as flutuações no desempenho físico dos jogadores durante os jogos, como o contexto do jogo (local da partida, qualidade dos adversários, resultado momentâneo, sistema tático adotado e o número permitido de substituições.

Por exemplo, nosso grupo de pesquisa mostrou que os jogadores percorrem maiores distâncias durante as partidas realizadas como mandante (“em casa”) e contra adversários situados no ranking superior da tabela (equipes mais “fortes”) durante diferentes campeonatos estaduais e nacionais no Brasil. Além disso, estudos mostram que as equipes que estão ganhando a partida apresentam menor posse de bola, sugerindo um método de jogo ofensivo direto (por exemplo, contra-ataque), o que pode impactar em menores distâncias percorridas.

Por outro lado, quando estão perdendo apresentam maior posse de bola, sugerindo um método de jogo ofensivo indireto (por exemplo, posicional), podendo resultar em maiores distâncias percorridas. Contudo, nós verificamos que o desempenho físico durante os jogos da Copa do Mundo de 2018 não foram associados ao sucesso na competição.

Por exemplo, os jogadores da seleção campeã (França) e uma das seleções com pior desempenho (Panamá) tiveram um desempenho físico similar durante os jogos (média de cerca de 9 km percorridos por jogo, sendo cerca de 9% acima de 20 km/h).

O sistema de jogo adotado pelas equipes (4-3-3, 4-4-2, 4-2-3-1, etc) é outro fator que pode impactar no desempenho físico dos jogadores. Por exemplo, durante a Copa do Mundo de 2018 as seleções que jogaram no sistema 4-2-3-1 percorreram maiores distâncias com a posse de bola em comparação com as seleções que jogaram no sistema 4-4-2.

Por fim, os efeitos da fatiga podem ser minimizados ou compensados pela implementação da regra de cinco substituições por partida. Isso já foi demonstrado em estudos científicos.

Portanto, acredito que a maior vantagem das equipes brasileiras sobre os seus rivais durante os jogos da Libertadores está condicionada ao aspecto tático.

ESPN: Quais os principais efeitos de desgaste e fadiga que os jogadores argentinos sentirão neste retorno? Como o fato dos brasileiros já terem feito em média 15 jogos ajuda a mitigar esses efeitos?

RA: Partindo da hipótese que os jogadores argentinos tiveram menor tempo de treinamentos presenciais e número de jogos, impactando em menor aptidão física dos jogadores, o principal efeito é o maior risco de lesões causadas pelo desgaste físico e fadiga acumulada durante os jogos. É importante destacar que outros aspectos também influenciam no risco de lesões, como por exemplo o histórico de lesões prévio, idade, aspectos nutricionais, e até a genética dos jogadores.

ESPN: Que tipo de estratégia os treinadores e preparadores físicos dos times argentinos deveriam seguir para diminuir a diferença física neste encontro com os clubes brasileiros pela Libertadores?

RA: O sucesso no futebol pode ser alcançado a partir de diferentes estilos e estratégias de jogo, dependendo da condição dos jogadores disponíveis, filosofia do treinador, do clube, da cultura local, entre outros aspectos. Portanto, é difícil estabelecer “receitas” gerais sem considerar as especificidades de cada clube.

Porém, pensando apenas no aspecto físico, uma alternativa seria adotar estilos e sistemas de jogo com menor exigência física durante as partidas. Por exemplo, um método de jogo defensivo com marcação em zona e um método de jogo ofensivo indireto, priorizando o contra-ataque e/ou ataque rápido, num sistema de jogo 4-4-2 e suas variações. Além disso, utilizar as 5 substituições pode ajudar a minimizar e compensar os efeitos da fadiga.

Em relação a aspectos externos ao jogo, a equipe multidisciplinar envolvida nos clubes deve assegurar todas as condições necessárias para um bom desempenho dos jogadores, como por exemplo aspectos nutricionais, psicológicos, exercícios preventivos, testes diagnósticos, qualidade e quantidade de sono, entre outros fatores.

ESPN: Em comparação, qual a chance de um jogador de clube argentino ter uma lesão muscular grave nestes jogos da semana em relação a um jogador de clube brasileiro?

RA: Se assumirmos a menor aptidão física dos jogadores argentinos neste início da Libertadores, devido ao menor período de preparação e jogos, o risco de lesão é maior quando comparado aos jogadores brasileiros.

Porém, outros aspectos devem ser considerados nessa análise, como o calendário competitivo das equipes. Não é o caso dos confrontos dessa semana entre as equipes brasileiras e argentinas, mas se observarmos o confronto entre o Internacional e o América de Cáli, percebemos um cenário distinto.

Nessa semana (13/09/2020 à 20/09/2020), o Internacional disputará três jogos, enquanto o América de Cáli disputará dois jogos. Se considerarmos toda a logística de viagens, importância dos jogos, rotatividade dos jogadores, entre outros aspectos, esse cenário competitivo congestionado do Internacional pode aumentar o risco de lesão, conforme demonstrado em alguns estudos sobre o tema principalmente em campeonatos na Europa.

Portanto, cada clube deve analisar com muita cautela seu cenário competitivo e adotar estratégias específicas para evitar a incidência de lesões, tais como algumas que citei anteriormente.

ESPN: Em jogos de grande altitude (como Palmeiras x Bolívar, em La Paz), quais os principais efeitos que serão causados no físico dos jogadores? Há algum tipo de preparação especial que deve ser feita?

RA: Nesse contexto de jogo, os brasileiros enfrentam um paradigma muito debatido na ciência do esporte e na prática profissional, denominado “live-low, training/play-high” (ou seja, morar em baixa altitude e jogar em alta altitude). Os estudos mostram que os principais efeitos causados nos jogadores estão relacionados aos componentes físicos, fisiológicos e cognitivos.

Por exemplo, a alta altitude tem um impacto negativo no desempenho aeróbio dos jogadores (metabolismo predominante durante um jogo de futebol) e na capacidade de recuperação entre esforços de alta velocidade (atividades determinantes durante um jogo de futebol). Contudo, devido a menor resistência do ar, os jogadores podem atingir maiores velocidades máximas e a bola pode perder menos velocidade ao longo do jogo, parecendo estar mais “rápida”.

Além disso, alterações psicológicas no humor, personalidade, comportamento e funcionamento cognitivo associados à alta altitude são reconhecidas há muitos anos. Mudanças psicológicas e comportamentais resultantes dos efeitos da hipóxia geralmente incluem aumento da euforia, irritabilidade, hostilidade e comprometimento das funções neuropsicológicas, como visão e memória.

É importante notar que parece haver grandes diferenças individuais na resposta às permanências em altitude. Geralmente as pesquisas recomendam três estratégias para minimizar estes efeitos negativos.

A primeira é viajar para um local de grande altitude com duas a três semanas de antecedência da partida, mas isso não é viável para clubes de futebol devido ao calendário competitivo. A segunda estratégia é viajar o mais perto possível da data e hora da partida e retornar logo após o jogo, conhecida como “fly-in, fly-out”. Por fim, a terceira estratégia, ainda pouco explorada no esporte, é recorrer a utilização de tendas simuladoras de alta altitude.

No Brasil, o Grupo de Estudos em Ciências Fisiológicas e Exercício da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, liderado pelo Prof. Dr. Marcelo Papoti, tem utilizado essas tendas para pesquisar o paradigma do “live-low, training/play-high" e suas variações, com o objetivo de potencializar o desempenho de diferentes atletas e minimizar esses efeitos negativos causados pela alta altitude.

Fonte: ESPN Brasil

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