Os presidentes de clubes da Série A entrevistados pelo ESPN.com.br entendem que a medida provisória 894, publicada na quinta-feira (18) pelo Governo Federal, terá seu efeito mais positivo se servir para que os clubes voltem a negociar em blocos as vendas de seus direitos de transmissão.
Da euforia de Mario Celso Petraglia, do Athletico-PR, e apesar da leve desconfiança de Marquinho Chedid, do Red Bull Bragantino, todos acreditam que a mudança que passa aos clubes mandantes a exclusividade dos direitos de transmissão de suas partidas, independentemente dos adversários, pode ser benéfica – desde que eles saibam se organizar para isso.
Mas ainda pairam algumas dúvidas. E entre os especialistas no assunto, há quem conteste a validade e acredite que a medida pode trazer bagunça e tornar ainda mais complicado valorizar o Campeonato Brasileiro como produto.
A única certeza de todos é que a medida, válida por 60 dias, prorrogável por mais 60, e que depois ainda será apreciada pelo congresso para virar lei, revoluciona o mercado e deve fomentar o surgimentos de novos players de exibição.
Não é ideal, mas é melhor
Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, foi um dos que demonstrou entusiasmo com a alteração, embora entenda que o modelo não é o ideal – apenas uma melhora em relação ao que acontece hoje.
“É claro que o modelo de negociação conjunta com todos os times, em forma de liga, como na Europa, seria melhor. Mas está claro que isso não é algo que vai acontecer no Brasil. Com a MP, ao menos, os clubes médios e pequenos voltam a ter um produto. Hoje, o Bahia não tem um produto, por exemplo”, disse ele.
Bellintani entende que os clubes com apelos regionais e menor expressão acabavam sendo instados a aceitar contratos desvantajosos para terem seus jogos exibidos, uma vez que um só player, a Rede Globo, concentra a maior parte dos direitos dentro da lei vigente.
“Não havia saída. Era vender ou não ter jogos exibidos em TV aberta”, diz.
“Agora, você poderá recorrer a outros players e até exibir seus jogos em canais próprios, por streaming”, diz ele. Em sua visão, essa possibilidade vai matar o pay per view, por exemplo.
O Bahia foi um dos oito clubes que negociou com a Turner os direitos de exibição de seus jogos em TV fechada em 2019. Mas, como era necessário ter os dois clubes em contrato, o grupo de mídia acabou exibindo poucos jogos.
“Éramos 40% dos times mas não representávamos 40% dos jogos”, exemplifica, mostrando uma situação que os efeitos da MP vão anular.
“Os jogos do bloco que fechou com a Turner – que tem ainda Palmeiras, Santos, Internacional, Ceará, Coritiba, Fortaleza e Athletico-PR – passaram a valer muito mais, por exemplo”, demonstra.
Como dividir?
O presidente do Bahia, juntamente com Petraglia, Robinson Castro, do Ceará, e Marcelo Paz, do Fortaleza, acreditam na formação de pequenos blocos para obtenção de maior poder de barganha nas negociações.
“Essa será a tendência”, diz Petraglia.
“O clube pequeno que negociar sozinho sim, vai se complicar”, diz Marcelo Paz. “A atratividade é menor e o poder de convencimento também”, diz.
Mas, formados os blocos, como dividir a receita entre seus integrantes?
“Pode ser por tamanho de torcida, por colocação no campeonato, há muitas maneiras de se pensar e muito ainda para se entender”, diz Robinson Castro.
Todos os jogos serão transmitidos?
Marquinho Chedid, do Red Bull Bragantino, ainda quer entender melhor como os players de transmissão vão se portar. Mas teme alguns efeitos negativos.
“Hoje, um clube médio como o Bragantino vende todos os seus jogos, sejam ou não exibidos. Será que uma emissora não pode nos oferecer menos, abrindo mão de partidas que não interessam, por exemplo?”, indaga.
“Red Bull Bragantino x Corinthians, todo mundo quer ver. Mas Bragantino x Coritiba, por exemplo, tem um apelo bem menor”, exemplifica. “Para que uma emissora pagaria por ele?”, indaga.
“Aí, o que vai acontecer é que, em vez de fechar com uma emissora, você terá que se juntar a um bloco que vai negociar com uma emissora. Aumenta uma etapa”, diz.
O time de Bragança Paulista, que ainda não tem contrato de transmissão com nenhuma emissora, mas negocia com a Globo, pode ser o primeiro a experimentar a nova realidade, já que a medida não altera os contratos vigentes.
Também atualmente sem contrato para exibição de partidas no modelo de pay per view, o Atlhetico está muito satisfeito com a MP.
“Eu realmente gostaria de agradecer o Flamengo e seu presidente por terem trabalhado tanto para isso”, disse Mario Celso Petraglia.
“Nossa expectativa é alta. Temos nada menos que todos os nossos 19 jogos em para negociar”, diz.
No Campeonato Parananese deste ano, o Athletico já passou pela experiência de não negociar o direito de transmissão com emissoras de TV e sites de streaming e investiu em seu canal, o Furacão Play.
Petraglia é um dos que acredita que a MP permite um melhor trabalho também com os sócios-torcedores.
“Parte do valor da mensalidade pode incluir o direito de assistir aos jogos em casa, por exemplo”, exemplifica.
20 emissoras diferentes
O advogado Eduardo Carlezzo, especialista em direito desportivo, é um dos que vê a MP com enormes ressalvas.
“Esta MP representa um risco para o futebol brasileiro, pois claramente é casuística, sem qualquer urgência ou relevância, que seriam seus pressupostos constitucionais”, disse ele.
“Se aceita, ela possibilitará que cada clube de futebol mandante do jogo tenha o direito de transmitir suas partidas, o que significará na prática que cada clube poderá fazer um contrato exclusivo com uma emissora, sem depender dos demais. Poderemos ter 20 emissoras diferentes transmitindo o Campeonato Brasileiro”, exemplifica.
“Isso gerará aos clubes grandes super contratos, multimilionários, e os clubes médios e pequenos receberão apenas as migalhas que sobrarem, aprofundando o abismo financeiro no futebol brasileiro”, afirma, em contraste com os que pensam os próprios clubes.
É esperar para ver.
Volta ao passado
Com o entendimento de grande parte dos clubes de que negociar em conjunto será mais vantajoso do que individualmente, podemos estar diante de uma volta indireta ao modo de negociação que era praticado até 2011.
Até a dissolução do Clube dos 13, naquele ano, a entidade que representava os 20 clubes da Série A negociava os contratos e geria suas receitas com divisão equânime
Há nove anos, porém, o Corinthians de Andrés Sanchez e o Flamengo de Patrícia Amorim negociaram valores maiores para si e passaram a ganhar muito mais que seus adversários pela exibição de seus jogos, tendo por argumento o tamanho de suas torcidas – algo que ainda prevalece.
Fonte: ESPN Brasil12/11
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